Nova York - No lugar do mar, o trem. Você já pensou em morar num apartamento com vista para uma estação ferroviária ou para uma avenida movimentada, como a Brasil? Pois bem: segundo alguns corretores de Nova Iorque, locais desse tipo têm rendido um número expressivo de vendas de imóveis. Quantidade que supera, muitas vezes, o volume de unidades comercializadas em lugares privilegiados, como a Avenida Park. A reportagem de Christine Haughney publicada pelo New York Times, esta semana, mostra como e por que esse mercado se torna atrativo com a persistência e a criatividade de alguns corretores. E ainda expõe a aceitação dos compradores, que se viram para driblar os ruídos e outros percalços dessas regiões.
No ano passado, quando muitos corretores lutavam para vender imóveis em condomínios na Avenida Park, Vick Palmos e sua parceira de trabalho, Constantine Doumazios, conseguiram vender 37 unidades numa área pouco privilegiada de Astoria, no Queens, local menos privilegiado na cidade com metrô de superfície. Vick atribuiu o sucesso dos negócios ao fato de ter apostado em imóveis considerados desinteressantes pelos corretores, justamente por serem mal localizados.
Ela relembra, inclusive, o dia em que abriu a janela do terraço de um estúdio de US$ 270 mil no terceiro andar de um prédio, em Astoria - para mostrar a vista aos seus clientes - e percebeu a aproximação de um trem. Como um momento de câmera lenta que antecede a uma explosão em filmes de ação, as conversas foram encerradas: todos ficaram congelados e em choque. Mas a corretora, calma, aproveitou para fazer uma referência ao momento. “Veja: aqui fora, você sente a cidade”, disse ela, tentando segurar o riso enquanto o trem passava trovejando.
Não há pintura criativa, nem mobília clean e modernista capazes de disfarçar o ruído do trem que invade a casa pela janela. Mas, assim como para todo réu há um advogado, para toda casa há um defensor: os corretores têm que ser criativos e persistentes, especialmente quando é para defender áreas em que o mercado imobiliário é fraco.
No prédio recém-contruído ao longo do trilho por onde passa o expresso Brooklyn-Queens em Williamsburg, David Maundrell, presidente da Aptsandlofts, empresa especializada em venda de apartamentos e lofts, teve que convencer os responsáveis pelo projeto a colocar os apartamentos para aluguel ou a cortar seus preços de venda. Maundrell aconselha os corretores a serem diretos, mas também a terem senso de humor. E sugere piadas como “pelo menos você saberá sempre como está o trânsito.”
Alguns ajustes no imóvel, no entanto, foram necessários. Eles compraram cortinas para bloquear a vista, repleta de carros e caminhões, por exemplo. Para Lindsay, o barulho do tráfego constante é mais calmo do que o som das sirenes da ambulância que escutava onde morou quando era mais nova, em frente ao Cabrini Medical Center. Ela diz que o único barulho que realmente incomoda são as pessoas conversando ou sussurrando.
Em Manhattan, a má localização não é apenas perdoável, como também considerada um lugar de benefícios exclusivos. John McCutcheon, responsável pelas ações de marketing de três apartamentos que ficam em frente à entrada para a ponte de Queensboro, aponta que esse tipo de lugar oferece uma saída rápida para os nova-iorquinos em direção a sua casa de fim de semana.
Segundo McCutcheon, até o colapso financeiro de 2008, o trânsito não o impediu de vender 11 das 14 unidades da região. Além disso, ele acrescenta que celebridades - incluindo a ex- primeira dama da França, Cecília Ciganer-Albéniz, e seu novo marido, Richard Attias - moravam num local próximo ainda pior. Uma proposta foi recentemente aprovada para um dos seus três apartamentos, que estão cotados entre US$ 2,5 milhões e US$ 2,7 milhões cada.
Vick, por sua vez, disse que foi levada a investir em propriedades situadas em regiões desvalorizadas por desespero financeiro: ela ajuda a sustentar o pai, que perdeu o trabalho como pintor no ano passado; e a mãe, que trabalha como costureira de vestidos de festa. Ela conseguiu vender um apartamento por US$ 350 mil, mesmo distante da estação do metrô,depois que o comprador visitou o imóvel às dez horas da noite, com seu travesseiro, para ter certeza de que poderia dormir com o barulho. “Eu chego até onde posso chegar”, disse ela.
A corretora e sua parceira de negócios, Constantine, convenceram um comprador a adquirir uma casa na estação de Long Island mesmo com o trem atravessando o quintal. Elas alegaram que os trens eram silenciosos porque tinham rodas de borracha. Mas Joe Calderone, porta-voz da estação, disse que as rodas são de metal. Angela Kontis, corretora do condomínio Astor, ressalta que já fechou contratos de 24 dos seus 80 apartamentos.
O engenheiro de software Edwin Borelly, de 32 anos, espera fechar um imóvel de um quarto no terceiro andar do edifício por US$ 370 mil. Além de escolher uma unidade em que não tivesse que conviver diretamente com os trilhos do trem, ele também pediu à mãe, irmã, tia, cunhado e namorada para irem ao apartamento de 68 metros quadrados e avaliarem o ruído (todos aprovaram). Segundo o jovem comprador, o apartamento apresenta menos barulho do que a casa onde cresceu, no Grand Concourse, no Bronx, onde os sons de alarmes de automóveis e de festas eram constantes.
Ainda assim, Vick tentou, sem sucesso, durante dois meses, vender uma casa de três quartos por US$ 889 mil numa área que fica logo abaixo dos trilhos de trem. O proprietário recentemente tirou o imóvel do mercado. Mas ela ainda não desistiu. “Alguém vai se acostumar com o som do trem. Afinal, há um comprador para cada produto”, disse.
FONTE: O Globo / Zap Imóveis
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