sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O Caso Encol – a grande lição para o mercado imobiliário (Ediçao 22\02\2012)

MarketingImob -

Por Denis W. Levati

O alarmante título de capa da última edição da revista Exame: Imóveis, um mercado sob suspeita impactou e causou desconforto àqueles que trabalham no mercado imobiliário devido principalmente a um dos subtítulos: O fantasma da Encol: qual o (real) tamanho do risco para os compradores?


Capa da Edição 1010 da Exame

Para o alívio de quem compra, vende ou de quem tem sua vida profissional ligada ao mercado imobiliário, o conteúdo da matéria é muito mais instrutivo e bem menos assustador quanto ao perigo que a capa sugere. Sobre a possibilidade de um ‘novo caso Encol’ a reportagem assinada por Naiana Oscar diz que é pouco provável (...). Ainda que algumas empresas tenham problemas financeiros, a chance de os clientes perderem tudo é baixíssima.
Mas então por que tanto medo? Por que a Encol causa calafrios em quem compra ou vende imóveis? Porque falar da Encol expõe as nossas feridas. Em seu auge a empresa fora a maior e mais importante construtora do país, faturava quase 2 bilhões de reais por ano (em valores atualizados), empregava 23 mil pessoas e construiu mais de 100 mil apartamentos. Sua falência foi o mais duro golpe na credibilidade do mercado imobiliário brasileiro devido a sua conseqüência mais sombria: o abandono a própria sorte de 42 mil clientes que estavam pagando e aguardando por seus apartamentos.

No que tange ao marketing imobiliário, a Encol fez jus ao status de maior empresa de seu setor e produziu milhares de anúncios em jornais e revistas para divulgar seus empreendimentos pelo Brasil. É muito difícil abrir uma publicação entre meados das décadas de 1980 e 1990 e não encontrar um anúncio da Encol. Na televisão, as propagandas da construtora eram em sua maioria institucionais, convidando o espectador a investir em um imóvel da empresa. Ao longo de pelo menos duas décadas, a Encol construiu a imagem de uma empresa forte, estruturada e que deu a classe média a possibilidade de comprar apartamentos e investir em imóveis.


Mesmo nos momentos em que o país atravessou as mais diversas crises, a Encol nunca deixou de lançar, de vender ou de anunciar. Durante os vários planos econômicos que se seguiram a Nova República e depois ao Governo Collor a empresa adotou por diversas vezes, estratégias agressivas e chegou a aceitar carro, telefone ou outro imóvel como parte do pagamento na aquisição de novos projetos.

“Carro, telefone ou imóvel como parte do pagamento.”
Para a Encol o importante era vender, seu sistema de negócios não podia parar.
Folha de São Paulo - maio de 1996

Reportagem da Folha de São Paulo em abril de 1990, após o Plano Collor. Para manter vendas, a Encol “eliminou o sinal, a prestação de fechamento de contrato e as semestrais. ‘A visitação antes da nova campanha estava muito fraca. Não havia intenção de compra’, diz Dolzonan da Cunha Matos, diretor da construtora”

Sem sinal, sem entrada, sem intermediárias.
Anúncio da Encol no Estado de SP em dezembro de 1990.
Fundada por Pedro Paulo de Souza, um homem de origem humilde que depois de trabalhar com ambulante fundou em Goiânia uma fábrica de pisos de madeira. Em determinado momento viu sua pequena empresa crescer, transformar-se em uma construtora, expandir no Centro-Oeste e virar referência em todo Brasil. Engenheiro de formação, Pedro Paulo inovou o processo produtivo, criou linhas de montagem em seus empreendimentos. Mas errou ao administrar um império como quem cuida de uma fabriqueta de família.


O modelo de administração da Encol foi apelidado por muitos economistas como ‘bicicleta’, onde os seus novos empreendimentos financiavam os anteriores. A empresa não poderia parar de pedalar nunca. Para se manter nesta constante e continuar a vender seus apartamentos a empresa chegava a garantir a recompra do apartamento vendido, pagando inclusive os juros corrigidos.


A maior construtora do Brasil oferece a você mais uma oportunidade de fazer um grande investimento. Você compra seu apartamento em condições especiais. Depois de 12 meses se precisar vendê-lo, a Encol o compra de volta com preço corrigido pela TR mais juros reais. (Folha de São Paulo, junho de 1995)
Quando a oferta de apartamentos se mostrou maior que a capacidade do mercado em absorver novos projetos, a Encol entrou em declínio. Some-se a isto denúncias de caixa dois e uma alta inadimplência. Pedro Paulo partiu tarde demais atrás de empréstimos para salvar o seu império. O que se viu depois disso foi o pior dos cenários. Salários atrasados, falta de pagamento a fornecedores, obras paralisadas até que em março de 1999 foi decretada a falência da empresa.


Em 18 de março de 1999, a Folha de São Paulo noticiava a falência da Encol deixando 10 mil clientes sem seus apartamentos. O número se revelou quatro vezes maior.
Dentre as conseqüências e lições da quebra da Encol, a principal delas é que a partir dela, foi criada a Lei de Falências que permitiu salvar os ativos bons de uma empresa em situação parecida, minimizando assim os prejuízos dos credores. Desde então, nos novos lançamentos imobiliários, como cita a reportagem de Exame, para conceder financiamentos, os bancos exigem que as construtoras registrem cada empreendimento como uma empresa independente, com caixa próprio. Após o caso Encol, o mercado imobiliário brasileiro acusou o golpe, mas com profissionalismo voltou a crescer e a inspirar confiança.

Falar ou escrever do Caso Encol é sempre delicado, suscita o debate. Há quem veja na figura de Pedro Paulo de Souza um injustiçado, alguém que foi abandonado pelo governo. Para estes, o antigo dono da Encol escreveu Encol – O sequestro: tudo o que você não sabia onde ele se defende e conta a sua versão da história que se confunde com a história da construtora.
Para aqueles que julgam o caso como estelionato ou que se interessam pelos seus desdobramentos jurídicos, o advogado especialista em direito imobiliário Hamilton Quirino escreveu A Falência do Incorporador Imobiliário – O Caso Encol.

O ideal é ler ambos os livros, para chegar à mesma conclusão que a Exame, a de que outro caso Encol no Brasil, nunca mais.





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