terça-feira, 10 de novembro de 2009

Mudanças na Lei do Inquilinato. Bom para quem?
















Sob o pretexto de melhorar a oferta de imóveis no mercado, a lei, na verdade, privilegia os especuladores.

Como está sendo encaminhada ao Presidente Lula, as alterações na Lei do Inquilinato (8.245/91), propostas no Projeto de Lei 71/07 do deputado José Carlos Araújo (PR-BA), e aprovadas no congresso, contém aspectos positivos e negativos, o que faz supor que pelo menos algumas partes serão vetadas.

Em caso de despejo, a ação é suspensa se, em 15 dias, o inquilino quitar integralmente a dívida com o proprietário ou a imobiliária. Com isso, não fica mais valendo a apresentação de um simples requerimento em que o locatário atesta a intenção de pagar a dívida - algo que tem atrasado em mais de quatro meses as ações de despejo.

Fica adotado também o mandado único de despejo. Cai, portanto, a prática atual de dois mandados e duas diligências, entre outros procedimentos que atrasam o processo.

Entre as mudanças, estão a desobrigação do fiador e a criação de regras para a mudança de fiador durante o contrato. Atualmente, a Lei do Inquilinato não trata do assunto, que vem sendo analisado com base no Código Civil. O fiador pode desistir da função, ficando apenas responsável pelos efeitos da fiança durante 120 dias depois de o locador ter sido notificado.

O proprietário também poderá exigir um novo fiador, caso o antigo ingresse no regime de recuperação judicial. Com isso, pretende-se dar mais garantias ao proprietário e exonerar a empresa fiadora que passe por crise econômico-financeira.

Em caso de divórcio ou morte do locatário, a nova Lei do Inquilinato cria regras para a manutenção ou substituição do fiador. Atualmente, a legislação não prevê essa possibilidade.

Positivo

Se aprovada, a nova lei cria a hipótese de retomada liminar do imóvel em caso de resistência à renovação com base em melhor proposta, além de evitar que manobras societárias permitam ao locatário transferir, indiretamente, a locação a terceiros.

Esses aspectos são positivos porque nova lei protege o proprietário e essa maior segurança pode aumentar a oferta no mercado. Estima-se haver cerca de 3 milhões de imóveis ociosos no Brasil, que não são locados por receio dos proprietários em ter problemas com inquilinos.

As novas regras provavelmente vão atrair donos de imóveis ociosos ao mercado de locação. Além disso, essa segurança estimula novos investidores neste segmento. O aumento da oferta provavelmente irá reduzir o valor dos aluguéis. Essa é a vantagem.

Negativo

Existem vários aspectos “leoninos”, ao meu ver, na proposta de alteração da Lei do Inquilinato.

Caso o contrato dispense garantias locatícias (caução, fiança, seguro), havendo atraso no pagamento do aluguel (ou acessórios) o despejo é sumário. Caso a locação seja garantida por um fiador e esse venha a pedir a sua exoneração (não quer mais ser seu fiador), você tem 30 dias para conseguir outro fiador ou então o despejo é sumário.

Ao final do contrato, quando é normal a prorrogação por prazo indeterminado, o inquilino fica em uma condição extremamente insegura, porque, a qualquer tempo, o proprietário pode propor um aumento do aluguel (e impor com base na proposta de terceiros) que, se não acatada pelo inquilino leva a uma ação com despejo sumário.

Art. 74. Não sendo renovada a locação, o juiz determinará a expedição de mandado de despejo, que conterá o prazo de 30 (trinta) dias para a desocupação voluntária, se houver pedido na contestação.
§ 1º Conceder-se-á liminar para desocupação em 15 (quinze) dias, contados da intimação do locatário, por si ou por seu advogado, quando houver, na contestação, pedido de retomada fundado em melhor proposta de terceiro.


O que significa “despejo sumário”? A liminar de desocupação dá 15 dias para o inquilino deixar o imóvel (contados a partir da notificação judicial). Em muitas situações, essa pode ser uma condição desastrosa. No mínimo gera uma insegurança muito grande para os inquilinos (e uma vantagem para os locadores na hora de impor um preço).

Mas, se você é locatário de imóvel residencial e bom pagador (e estável), é provável que essas alterações lhe tragam mais benefícios do que malefícios. Os contratos residenciais têm prazo mínimo de 30 meses e você tem a perspectiva de maior oferta e redução de preços. Além de não ser tão traumático eventualmente ter que se mudar, é possível que os proprietários se esforcem para ter você como inquilino.

Mas para os locadores de imóveis não residenciais ela é, no mínimo, injusta. Fica complicado para um comerciante desenvolver certas atividades sem a segurança de que vai continuar no mesmo lugar (muitos negócios dependem do ponto). Muitos que estão instalados há anos em um determinado local podem simplesmente falir se tiverem que mudar.

A ação revisional acontece no meio do contrato. O juiz tem a possibilidade de arbitrar 80% do valor pedido até que se discuta o mérito. “É uma situação absurda. No caso de um pagamento de aluguel mensal de R$ 10 mil, se o inquilino tentar negociar um aumento de 10% (R$ 11 mil) e o proprietário pedir uma renovação para R$ 20 mil, o juiz pode aceitar até 80%. Assim sendo, corre-se o risco de ver o valor passar de R$ 10 mil, para R$ 16 mil de uma hora para outra.

Além disso, o contrato de locação de imóvel não residencial não tem prazo mínimo. Profissionais autônomos, micro e pequenas empresas normalmente só conseguem contratos com prazo de 1 ano (muito pouco). O que já era ruim, ficará pior, porque a lei desequilibra a relação entre locador e locatário, dando muitos poderes ao primeiro.

Em Salvador, por exemplo, de onde vem o nobre deputado que propôs essa lei, José Carlos Araújo, há um enorme déficit de imóveis comerciais. Os locatários já estavam em desvantagem em relação aos locadores (na minha opinião um dos m2 mais caros do país, considerada a infra-estrutura disponível) em função da alta demanda.

Eu conheço um caso concreto de uma empresa multinacional que ocupava há anos uma sala em uma região nobre da cidade, sempre pagando em dia, sob um contrato de locação com prazo indeterminado, ao preço de R$ 8.000 mensais, mas que tinha uma infra-estrutura ruim. Eles não conseguiam um acordo com o proprietário para a renovação do contrato e assim terem a segurança para realizar uma reforma orçada em R$ 120 mil (paga por eles!). O proprietário argumentava que todos os imóveis dele estavam locados naquelas condições, havia muita procura e que se eles quisessem seria daquele jeito mesmo (ou então fossem procurar outro imóvel). Eles não conseguiram outro imóvel e acabaram fazendo a reforma, sem nenhuma segurança.

Com as alterações propostas na Lei do Inquilinato, casos assim, que demonstram a fragilidade do inquilino em relação ao proprietário, vão se agravar.

Além de inúmeras outras situações que talvez merecessem um outro tipo de tratamento. Eu vou citar um exemplo corriqueiro (acontece todo dia e no Brasil todo):

Aqui na Bahia é muito comum famílias oriundas de outros estados, normalmente em função do emprego do marido em uma das empresas do nosso pólo petroquímico. Digamos que uma família dessas mora em um apartamento locado, com contrato garantido por um fiador que é amigo do marido. O cidadão resolve trair a esposa, eles brigam e se separam de uma forma tempestiva, ficando a mulher, dona de casa, com os filhos no imóvel. O fiador resolve pedir a exoneração de suas obrigações. Essa família vai ser despejada (colocada na rua) muito antes que a justiça determine o pagamento da pensão que os sustente.

Não estou querendo dizer com isso que o proprietário deva ser o responsável por situações como essa e muito menos que a sociedade seja permissiva com caloteiros. O Estado tem meios para tornar essas relações mais justa e equilibradas. O Seguro Aluguel através da Caixa Econômica poderia resolver melhor esses problemas.

Mas não é o caso em questão. Sob o pretexto de melhorar a oferta de imóveis no mercado, e supostamente provocar um benefício coletivo, a lei, na verdade, privilegia os especuladores. Quantos brasileiros têm dinheiro suficiente para, além de ter um segundo imóvel, deixa-lo parado?

Talvez fosse mais justo taxar pesadamente os imóveis desocupados, criar mecanismos de seguro (financeiro) à locação e, ao mesmo, tempo reformar o judiciário, que é o grande responsável pela morosidade em resgatar direitos, de ricos e pobres, inquilinos e locadores.

FONTE: Forum Imobiliário


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